segunda-feira, 10 de março de 2014


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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

         Dança Circular: Tornando Visível a Experiência do Dançar

Janete Barcellos
           

Deixar-se ver: o círculo de dança circular

            Ao pensar a dança e mais especificamente a Dança Circular[1] como um espaço da experiência, me deparo com alguns questionamentos que revelam a complexidade desse estar dançando. Aspectos que me remetem a questões relativas à história da dança e da Dança Circular, ao entendimento do corpo como um espaço de materialidade da experiência e as transcendências construídas a partir do dançar.
Para refletir sobre essas questões tomarei as contribuições de Joan Scott a partir de seu texto sobre “Evidências da Experiência” e  as de Timothy O’Leary no seu artigo “Foucault, Experiência e Literatura” buscando além de dar visibilidade ao que se dá a ver nos círculos de Danças Circulares, refletir sobre os sentidos constituídos historicamente sobre o corpo e a noção de experiência-limite relacionada à Dança Circular.
Joan Scott, quando discute que “ser sujeito significa estar sujeito a condições definidas da existência, mas, ao mesmo tempo não unificado e capaz de escolhas a partir de suas experiências”; possibilita-me pensar de como nos círculos de Danças Circulares, a dança ocorre individual e coletivamente, levando em conta a existência de uma linguagem que é ao mesmo tempo corporal e intelectual sem deixar de considerar que cada sujeito é único na sua forma de expressão e entendimento da dança. Esclarece-nos que:

“Os sujeitos são constituídos discursivamente e a experiência é um evento linguístico (não acontece fora dos sentidos estabelecidos), porém tampouco está confinada à ordem fixa do sentido. Como o discurso é, por definição, compartilhado, a experiência tanto é coletiva como individual. A experiência tanto pode confirmar o que já é conhecido como perturbar o que era dado como certo (quando diferentes sentidos estão em conflito reajustamos nossa visão para levar em conta o conflito ou resolvê-lo – este é o significado de “aprender com a experiência”, embora nem todos aprendam a mesma lição ou aprendam na mesma época ou da mesma maneira). A experiência é uma história do sujeito. A linguagem é o sítio de promulgação da história. A explicação histórica não pode, portanto, separar as duas.” (SCOTT, J. Evidências da Experiência)

            Sendo assim é importante conhecer um pouco da dinâmica dessa história. Lembrando que, as Danças Circulares vêm ao longo de sua existência permeadas pela história das danças folclóricas dos vários povos antigos. São danças realizadas em sua maioria em círculo e foram sistematizadas pelo coreógrafo alemão Benhard Wosien no inicio dos anos de 1960. Wosien (2000) buscou a partir do estudo das danças folclóricas europeias e de seus conhecimentos como bailarino e coreógrafo, uma forma mais orgânica de expressão através da dança, onde não mais a técnica e o desempenho eram o mais importante, mas sim a possibilidade de dançar junto e em círculo. Aspecto esse que constituiu e constitui o grande desafio da Dança Circular.
Era, um final de tarde de quinta-feira, como tantos outros do nosso frio outono porto-alegrense. Danças animadas para espantar o frio, alegria e parceria. Dançarinos de idades variadas, capacidades variadas, corpos dançantes diferentes e únicos. A sala grande, repleta de luz e aromas, repleta de sons e sorrisos. Os pares se formando, se organizando, eu, na coordenação do som. O tempo parecia infinito, mágico, quando em um determinado momento dançando a Irish Mandala[2], uma grande descoberta – é possível dançar – mesmo sem conhecer bem os passos, nem a música, existindo apenas a mão que toca, que segura, que apoia, que sustenta o desafio. Mão que ajuda a andar, que ajuda a dançar. Quanta alegria nos rostos, nos corpos, na plenitude dos gestos de mais puro encantamento!
Este breve relato da experiência de dançar junto e em círculo me instigou a pensar sobre esses corpos dançantes num círculo de Danças Circulares, suas histórias e a possibilidade de transcendência dos sujeitos a partir de sua prática.
            Observo que mesmo que os sujeitos não tenham uma experiência anterior com outras práticas corporais se sentem capazes de participação, já que as Danças Circulares por serem compostas na sua maioria por danças de simples execução possibilitam a participação da maioria.   Danças que aliam a execução dos gestos, as características individuais dos sujeitos dançantes. Sujeitos carregados por histórias corporais e de relação com a dança, que ao dançar redescobrem essas experiências e dão novos sentidos a esse estar dançando.
Portanto, a ideia de deixar ver à Dança Circular, é a de perceber o que a constitui ao longo do tempo, de dar novos contornos aos movimentos dançados a várias gerações, de descobrir como se dá esse dançar de mãos dadas, de abrir-se para o silêncio que preenche cada movimento, desafiando limites físicos e muitas vezes emocionais. De estimular a comunicação corporal e afetiva na busca de transcendência a partir da experiência vivida.
Não se trata aqui de fixar a experiência de Dança Circular como a única ou a mais relevante mas, de perceber suas possibilidades. Possibilidades que podem lançar esse sujeito dançante a uma experiência desconhecida e desafiadora, o que segundo as discussões de O’Leary sobre a origem etimológica da palavra experiência como sendo do latim, expereri (tentar ou testar) estando ligada à palavra perigo – periculum; a experiência é “algo que surge de um encontro necessariamente perigoso com o mundo – ou com o estranho ou estrangeiro”. Desafia-nos a entrar em um campo desconhecido, onde a real necessidade do outro está presente e  a premência de uma atitude criativa é de fundamental importância. Nesse sentido O’Leary traz uma outra possibilidade de compreensão da experiência:
 “se o organismo, ou indivíduo, é uma força e não uma superfície de registro passiva, então podemos dizer que toda experiência é uma ficção no sentido de que algo novo é inventado, algo novo surge da interação entre o organismo e o mundo”.(O’LEARY, p.20)

O que me remete a ideia de Foucault, de que a experiência é um engajamento ativo e experimental, condição essa fundamental para a ocorrência de um círculo de Danças Circulares, pois nele cada sujeito é responsável pelo seu movimento e do grupo, existindo uma colaboração mútua entre os sujeitos dançantes. O que também a caracteriza como um ato político, dependente das escolhas consciente ou não de seus participantes e do seu comprometimento com o todo, sem, no entanto, negar a existência de diferenças e conflitos. Sem esquecer que esses sujeitos são indivíduos diferenciados frutos de relações e agenciamentos das mais diversas naturezas.

A dança circular como experiência-limite: histórias de vida e saberes
            A partir do conceito de experiência-limite de Foucault, de que é aquela experiência que serve para “arrancar o sujeito de si próprio” e garantir que o sujeito não continue sendo o que era antes (EMF, 241 [43]), buscarei estabelecer um paralelo com o que é experimentado em um círculo de Danças Circulares.
            Para tanto é importante entender como acontecem e como essas danças refletem a história construída ao longo do tempo pela humanidade. Danças que foram se constituindo como um espaço da experiência, usadas pelos seus povos de origem para marcar momentos importantes da vida dos sujeitos e de suas comunidades. Utilizadas nas celebrações de vida e morte, nas mudanças de estações, na reverência a ancestralidade e em muitos outros acontecimentos da vida, sendo a dança natural e parte de seu cotidiano.
Nenhuma iniciação dos povos antigos era feita sem dança. Os vários mitos de criação e organização do universo estão relacionados com a dança. Segundo Rodrigues(2002), dois mil anos antes de Cristo, os sacerdotes de Osíris, que se dedicavam ao estudo da astronomia, já interpretavam seus conhecimentos através das danças. Nelas, um altar colocado no centro do tempo simbolizava o sol. Dançarinos giravam em torno, no sentido da evolução dos corpos celestes, com uma rotação calculada que evocava o espaço etéreo, como se estivessem flutuando junto aos planetas e, este, lhes desvendassem sua misteriosa vida.
            As danças para os povos antigos visavam a manutenção da ordem do Cosmos, estabelecendo uma constante relação entre a experiência cotidiana e a experiência cósmica ou sagrada. Representavam também segundo Garaudy(1980), a possibilidade do homem afirmar-se como membro de uma sociedade que o transcende.
Nesse sentido, Maurice Bejart nos fala da glória e encantamento proporcionados pela dança, expressando o quanto a unidade construída ao dançar continua vibrando nos corpos e mentes dos sujeitos dançantes. 
            Em outras noites o silencio se prolonga. Depois um homem se levanta e dança, depois um outro, um terceiro. Os outros olham, mas seus olhos firmar sua união profunda, sua participação total. A dança continua até tarde da noite, os dançarinos se revezam de tempos em tempos e, quando todos finalmente voltam para a casa, a unidade permanece, a alegria é genuína e o repouso completo. A palavra divide. A dança é união. União do homem com seu próximo. União do indivíduo com a realidade cósmica”.(BEJART, M. apud GARAUDY, R.,1980, p. 08)

            Nesse contexto histórico de representação cultural através da dança podemos observar mecanismos de inclusão, aquisição de conhecimentos e de identificação, onde o sujeito é reconhecido como parte de um determinado grupo e de determinadas formas de saber o mundo.
            Mas como a Dança Circular se constitui como experiência-limite já que a sua simples execução não necessariamente conduz o sujeito à transcendência? Para refletir sobre essa questão é necessário ver a Dança Circular como algo não homogêneo, linear ou simplesmente unificador, onde todos realizam os movimentos da mesma forma e sentem sua execução da mesma maneira.
A representação que cada um faz da dança que é dançada e os mecanismos de acesso às experiências relacionadas ao dançar em determinada cultura e época é de fundamental importância para que a experiência possa se constituir em uma experiência-limite, ou seja, como algo que nos tira de nós mesmos e nos lança em algo novo, inusitado.
Na medida em que essa experiência singular adquire o caráter transformador tende a redimensionar nosso cotidiano, nossa forma de ver e perceber o mundo, sendo capaz de nos fazer sujeitos diferentes do que éramos antes. Tornando essa experiência uma possibilidade de experiência-limite.
           
Corpo como espaço da experiência
Cada cultura expressa uma diferente concepção de corpo e diferentes concepções de práticas corporais. Concepções constituídas social e historicamente, sendo de natureza complexa e geradora de certas formas específicas de perceber e sentir a realidade.
Ao longo do tempo a humanidade vem construindo concepções distintas de compreensão do corpo, desde a ideia de disciplinarização e controle a de liberação e estetização. No entanto, em qualquer desses momentos distintos os sujeitos buscaram socialmente a construção de formas de expressão, utilizando a dança, o teatro, à mímica, o canto e muitas outras práticas corporais. Nesse sentido a experiência do corpo no espaço da Dança Circular mostra-se como algo produtivo e constitutivo de realidade, criando espaços possíveis de engajamentos que possibilitam aos sujeitos a incorporação dessa prática a sua vida cotidiana. Mas será a Dança Circular uma que prática realmente possibilita esse processo transformador?
Foucault nas suas discussões sobre o pensamento nos coloca que:
 “este está na base da constituição do ser humano (...), não sendo algo a ser encontrado exclusivamente nas formulações teóricas da filosofia ou da ciência. Ela pode sim, ser encontrada em todos os modos de falar, fazer e comportar-se. (...) trabalha com a noção multifacetada de experiência; a qual não é acessada através da consciência individual, mas sim através daquilo que ele passa a chamar de práticas.” (O’LEARY, in Foucault, Experience, Literature)

Considerando essas práticas como modos de comportamento, podendo, portanto ser de caráter corporal e entendendo a Dança Circular como uma dessas formas, arrisco-me na compreensão do processo do dançar e de percepção do corpo como uma prática que nos possibilita estudar reflexivamente a experiência. O que em última análise nos leva a reflexão anterior sobre experiência-limite.

Na construção de possibilidades
Pensar a historicidade da Dança Circular, a necessidade de dar visibilidade as várias formas de relação dos sujeitos dançantes nos círculos de dança e a importância de compreensão do corpo como esse espaço onde se dá a experiência apresentam-se como importantes aspectos a serem considerados para a compreensão da complexidade do que ocorre nos círculos de danças. Desafiando-nos a um maior aprofundamento na reflexão sobre seus mecanismos de construção de relações e de suas práticas corporais.
Sem, no entanto, deixar de ressaltar a importância da reflexão sobre a Dança Circular enquanto experiência-limite, segundo a visão de Foucault, capaz de produzir transformações nos sujeitos envolvidos. Sujeitos de relação capazes de interações múltiplas, onde a presença do outro se faz de fundamental importância para a construção de novas realidades, tanto de caráter individual quanto coletivo.
Portanto esse breve exercício reflexivo na compreensão da Dança Circular como uma possibilidade da experiência não se propõe a encerrar uma discussão, mas a iniciá-la. Necessitando para tanto um mergulho na dinâmica das práticas corporais que constituem esse dançar junto, a fim de constituir uma análise que contemple a complexidade dessa abordagem e entendimento dos corpos dançantes.

 REFERÊNCIAS

   1.    GAURADY, R. Dançar a Vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 5ed.
2.    O’LEARY, Timothy. Foucault, Experiência e Literatura. Foucault Studies, nº 5, p.5-25, January 2008. The University of Hong Kong.
  3.    RODRIGUES, G. Mudanças. In: RAMOS, R. (org.) Danças Circulares Sagradas: uma proposta de educação e cura. São Paulo, SP. Ed. TRIOM, 2002, 2ª ed. p. 43-53
4.    SCOTT, Joan W. Evidências da Experiência. Critical Inquiry, 17(4): 773-797,1991 htt://arts.cornell.edu/mellon/Scott_The_Evidence_of_Experience.pdf
  5.    WOSIEN, Bernhard. Dança: um caminho para a totalidade. São Paulo: Ed. TRIOM, 2000. 57p.




[1] Dança Circular: Danças oriundas do folclore de várias culturas ou de caráter coreográfico. Sistematizadas nos anos de 1960,  pelo coreógrafo alemão Bernhard Wosien. Caracterizam-se por serem dançadas em círculo onde todos estão a uma mesma distância do centro. Danças inclusivas, que pela simplicidade de movimentos e organização circular busca o acolhimento de todos.
[2]Dança Circular, tradicional irlandesa. Dançada aos pares, com homens no círculo de dentro e mulheres no círculo de fora, com troca de pares. Dança alegre, de encontro e celebração.